HOME OFFICE PÓS-PANDEMIA: O TELETRABALHO VEIO PARA FICAR? REFLEXÕES E INSIGHTS RUMO AO DAY AFTER 

Cibele Castro_Desafios do home office pós-pandemia

Cibele Castro: desafios do home office pós-pandemia

Covid-19 precipitou a ampla adesão ao trabalho remoto, alternativa adotada pelas empresas para manter suas operações. A experiência já rende frutos, com Twitter anunciando a possibilidade permanente de home office pós-pandemia 

Por Thaís Aiello, 14.05.20

As práticas de flexibilização do trabalho vinham evoluindo gradativamente nos últimos anos. Trabalhar uma vez por semana a partir de casa já era uma realidade em muitas organizações. Outras já se arrojavam a liberar seus colaboradores em duas ocasiões semanais. Algumas, para otimizar custos e/ou incentivar a atuação remota, adotaram projetos arquitetônicos com acomodação aquém do número total de profissionais. Propositalmente, criava-se a condição para que parte do contingente experimentasse o teletrabalho. Então veio o Covid-19 e, de uma hora para outra, todos foram instados a cumprir o isolamento social. Mesmo organizações sem nenhuma iniciativa de trabalho à distância tiveram de se reinventar. Surge então uma questão: como será o home office pós-pandemia? O Twitter já sinalizou para a adoção perene dessa alternativa nos casos viáveis e para quem quiser permanecer em casa.

Para falar sobre as perspectivas do home office pós-pandemia, entrevistamos Cibele Castro, sócia-fundadora da Gestão c3, que atua também como conselheira e mentora. Executiva de RH, tem passagens por GE, AES Brasil, Grupo Abril, Latam e Intercement, sempre em posições estratégicas na alta gestão.

Panorama Executivo – De uma hora para outra, o trabalho à distância teve de ser adotado amplamente, em função do isolamento social. Vislumbrando a retomada, quando o Covid-19 estiver minimamente superado, quais as perspectivas para o home office pós-pandemia?

Cibele Castro – Creio que esta pandemia pode mudar a forma como temos trabalhado, bem como o modo como nos relacionamos e aprendemos. Vamos levar um tempo para nos readaptar e ver o que ainda faz sentido e o que não funciona mais. Tenho acompanhado diversas empresas que estão desenhando seus planos de retomada das atividades. Muitas delas já avaliam que grande parte do contingente de colaboradores permanecerá trabalhando em casa. Há, contudo, as que consideram a adaptação na pandemia como transitória, pensando retomar suas operações em um retorno gradual. No meu ponto de vista, o caminho futuro passa por alocar o maior número possível de profissionais em esquema de trabalho remoto. Além de revisar o modelo de engajamento, será preciso desenvolver a liderança para fazer da nova realidade uma experiência positiva.

“Na pandemia, foi preciso transcender o controle sobre tudo, característica ainda presente em muitos gestores”

Panorama Executivo – O presidente do Twitter já sinalizou com a possibilidade do home office pós-pandemia se tornar uma realidade permanente para os colaboradores da organização. Outras empresas devam adotar esse caminho?

Cibele Castro – Creio que sim, por diversos motivos. Primeiramente, porque a necessidade imposta pela pandemia arrefeceu e muito o receio existente até então. Diante do confinamento, foi preciso transcender a postura de ter controle sobre tudo, característica ainda presente em muitos gestores. Para funções que se adequam ao home office, esse caminho foi inexorável, viabilizando a continuidade da operação. A experiência durante a pandemia abre espaço para que seja dado esse passo no Brasil. Porém, nessa jornada, transformações organizacionais, de liderança e de infraestrutura se impõem, tanto aqui como em outras partes do mundo. Há questões práticas a serem endereçadas, bem como mudanças de postura e de mindset.

Panorama Executivo – Que aspectos positivos uma eventual ampla adoção do home office pós-pandemia pode proporcionar para as empresas e seus colaboradores? Por outro lado, quais os entraves e os desafios presentes nessa nova forma de estruturação do trabalho?

Cibele Castro – Tempo e trânsito são apelos positivos do home office. Livrar-se do deslocamento cotidiano e do engarrafamento nas grandes cidades constitui, certamente, um ponto a favor. Outro é poder conciliar atividades, acomodando diversas demandas. Isso porque ganha-se tempo ao prescindir do ir e vir diário. Esses são aspectos valorizados por aqueles que atuam remotamente. Contudo, a empolgação gerada a partir da vivência durante a quarentena pode não ser suficiente para uma mudança de fato. Anteparos para essa realidade residem na pressão dos prazos e no compromisso de entrega de atividades e projetos. De toda forma, há estudos interessantes que apontam o sentimento dos colaboradores, a partir do modelo de trabalho adotado.

Panorama Executivo – Poderia compartilhar aqui algum estudo nessa linha?

Cibele Castro – O site Leadership IQ, por exemplo, fornece um teste on-line sobre o sentimento dos colaboradores com relação ao trabalho. A sondagem toma por base o local onde as atividades são executadas, considerando três categorias. A primeira é composta pelos trabalhadores de escritório. Já a segunda reúne os telecomutadores, ou sejam aqueles que exercem suas atividades a partir de casa. Por fim, há os trabalhadores móveis, funcionários que se deslocam entre escritórios.

Em consulta a quase 3.500 profissionais sobre o quanto adoravam seu trabalho, os telecomutadores se destacaram. Entre esses, o nível de satisfação foi de 45%, enquanto os trabalhadores móveis apontaram índice de 38%. Já os que atuam em escritório cravaram 24%, o que demonstra que menos de ¼ dessa população se sente satisfeita com seu trabalho. Na pesquisa, os que fazem home office demonstraram também amar mais seus empregos do que aqueles sediados em escritórios.

O questionário revelou, ainda, que os trabalhadores remotos tendem a mostrar mais ambição. Eles fazem esforços adicionais e se empenham para serem os melhores. No entanto, o estudo também detectou que esses profissionais precisam ser mais motivados que aqueles que atuam no escritório. Não se trata de nenhuma surpresa, mas de informação útil de algo que os líderes empresariais precisam ter em mente. Embora muitas vezes mais felizes e produtivos, os trabalhadores remotos precisam buscar inspiração e motivação para atingir seu pleno potencial.

“Alguns sabem tirar melhor proveito da crise, tornando-a uma oportunidade aspiracional”

Panorama Executivo – Haverá necessidade de desenvolver um novo estilo de liderança? Em caso afirmativo, quais seriam os pilares e os pressupostos para a atuação do líder?

Cibele Castro – Durante e após uma crise, a liderança deve manter o foco em 3 pilares: adaptabilidade, resiliência e confiança. As crises se desenrolam ao longo de um espaço de tempo, especialmente em eventos de longa duração como a epidemia do Covid-19. A medida que os fatos evoluem e o contexto operacional se transforma, as organizações e seus líderes são instados a executar uma série de atividades, adaptando-se aos desafios de cada momento. Nesse processo, é preciso ser resiliente. Enquanto muitos jogam na defesa, alguns sabem tirar melhor proveito da crise, tornando-a uma oportunidade para ser aspiracional. Por exemplo, diante da adversidade, as equipes podem se unir ainda mais, dispostas a fazer o seu melhor. Há um aprendizado, sendo possível que as pessoas possam emergir mais fortes, mais engajadas e mais capazes que antes. Para tanto, cabe aos líderes criar condições tendo em vista tranquilizar a todos na empresa, mostrando que “podemos fazê-lo”. Base da liderança cooperativa e colaborativa, a confiança passa a ser um elemento imprescindível nessa jornada. Sua construção se dá por meio do diálogo e das ações, não das declamações e das intenções.

Panorama Executivo – Para o RH, que desafios surgem a partir da descentralização das pessoas e das ações realizadas remotamente?

Cibele Castro – Para manter os colaboradores remotos engajados e motivados, não há necessidade de desenvolver nada extraordinário. Eu diria, inclusive, que se adequam a esse intuito a maioria dos métodos atualmente utilizados para inspirar os colaboradores internos. Muitas das práticas também se aplicam aos que atuam a partir de suas casas. Comunicação, por exemplo, é fundamental, neste caso e em todos os outros. Isso vale tanto do ponto de vista dos negócios quanto ao que diz respeito a relacionamentos.

Manter bem informados os que estão em regime de teletrabalho motiva e engaja. Lembra a esses profissionais que eles fazem parte da organização, que estão inseridos em uma estrutura maior. Eles não dispõem do mesmo fluxo constante de informações dos colaboradores internos, cujos gestores passam nas mesas e podem interagir pessoalmente. Assim, é vital oferecer a eles acesso contínuo às questões corporativas – missão, visão, estratégias, projetos, etc. Isso tudo os ajuda a entender como sua função contribui para o resultado da empresa, concorrendo para um maior engajamento. Nesse aspecto, enfatizar a cultura organizacional também se mostra essencial. Apesar das barreiras inerentes à comunicação virtual, há a necessidade de criar relacionamentos baseados em confiança. Promover reuniões frequentes com membros da equipe remota possibilita que a cultura seja mais facilmente compartilhada por todos.

Outro ponto importante é cuidar para que os que fazem home office se sintam felizes, o que não constitui uma tarefa tão complicada. Um bom começo está em perguntar sobre suas necessidades, prover o que precisam e atentar para que se sintam incluídos.

Panorama Executivo – E de que forma os gestores podem atuar para promover essa inserção?

Cibele Castro – Inicialmente, definindo com clareza as expectativas, pois esse ponto de partida serve como um motivador para trabalhadores remotos. Da mesma forma que os demais profissionais, eles apreciam direcionamento e objetivos bem definidos. Querem conhecer o que de fato é esperado deles.

O gestor deve focar no resultado e no que é feito, e não no quando é feito. Por exemplo, digamos que um colaborador remoto apresente melhor desempenho no período noturno. Se a posição não exige interações durante o dia, por que não permitir que produza no momento de melhor rendimento?

Muitas vezes os colaboradores remotos demonstram produtividade similar ou acima daquela apresentada por seus colegas no escritório. Contudo, nem sempre são devidamente reconhecidos. O gestor deve estar atento não apenas para reconhecer um ótimo trabalho, mas também para dar visibilidade ao fato.

“Os líderes devem conhecer seus colaboradores remotos,  para que eles não se sintam como náufragos”

Panorama Executivo – Que outras formas de apoio os líderes podem fornecer aos que trabalham remotamente?

Cibele Castro – De início, os líderes devem conhecer seus colaboradores remotos, para que eles não se sintam como náufragos. Pode parecer trivial, mas é um ponto de atenção. Assim, o gestor deve reservar um tempo para encontros individuais, para saber o que está acontecendo na vida desses colaboradores. Se no escritório, a proximidade física permite perceber o humor e conversar diretamente, com os externos isso não acontece.

A gestão do tempo costuma ser um entrave para o bom trabalho remoto. Assim, prover ferramental e treinamento é um suporte imprescindível. Além disso, o gestor experiente pode dar dicas e orientações que permitem coadunar melhor essa questão. Apoio e acolhimento dão alicerce às relações, denotando proximidade e interesse genuíno com o colaborador, apesar da distância física.

Pensando em uma questão bastante prática, todos os agendamentos dispensáveis devem ser suprimidos. Se determinada reunião for desnecessária, não deve ser feita simplesmente para cumprir tabela. A comunicação deve fluir, com os momentos de contato acontecendo quando preciso. De resto, é confiar no processo e deixar o colaborador remoto tranquilo para realizar o seu trabalho.

Panorama Executivo – Muitas empresas investiram em escritórios arrojados, que ficaram vazios nesses tempos de isolamento social. Na sua opinião, como será o ambiente de trabalho do futuro? Como ficam o espírito de time e o senso de pertencimento em um modelo de organização no qual o home office venha a se tornar uma prática abrangente ou, talvez, predominante?

Cibele Castro – Tenho pensado muito sobre isso. Eu mesma já implantei em algumas empresas escritórios arrojadíssimos, com espaços compartilhados, áreas de convivência, sem mesa fixa. Projetos com menos espaço de escritório que o necessário, já considerando 20% de pessoal em esquema remoto. Na hipótese de o ome office pós-pandemia vir a ser amplamente adotado, esses espaços corporativos ficarão ociosos. A dinâmica demandará um novo estudo de ocupação. Por outro lado, essa súbita mudança pode fazer com que muitos de nós tentemos recriar o ambiente profissional em casa. Haveremos de lidar com incômodas videochamadas com equipes inteiras, sucumbiremos à ausência de conversas nos cafezinhos. Participar da cultura do local de trabalho pode passar a ser um trabalho em si. Enfim, essa transição pode apresentar diferentes níveis de dissonância, que precisarão ser endereçados à luz do recomeço que virá. Não há dúvida que, com a pandemia, alguns tiveram que ingressar no mundo remoto. Descobrindo o novo, estão navegando corajosamente nesses mares, e essa estreia em massa traz muitos desafios para o futuro próximo.

Veja também: Remuneração Executiva: Pesquisa Top Executive Compensation; com Gilberto Cupola, da Korn Ferry

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