Especial
Assédio moral na sociedade
Sentimento de opressão e impotência remete a assédio estatal no Brasil
Por Thaís Aiello, 08/02/21
Isolados em casa ou premidos a sair para ganhar o pão do dia a dia, os brasileiros ficam atônitos diante da realidade. Falta de planejamento, inépcia dos governantes, falta de vacina, um ministério da saúde inoperante – a realidade é definitivamente opressora. Tudo em meio ao número crescente de mortes, profusão de fakenews e guerra de narrativas. É plausível dizer que esses são os ingredientes que engrossam o caldo do assédio moral. Estaríamos nós, brasileiros, sob o estresse ocasionado pelo assédio estatal?
A especialista Margarida Barreto* opina sobre o tema e adverte para os prejuízos que podem advir para a sociedade brasileira nesse momento complexo do país.
Panorama Executivo – Para além do ambiente corporativo, pode-se falar em assédio no âmbito social?
Margarida Barreto –Socialmente, poderíamos falar que neste momento vivemos no Brasil o assédio moral estatal. Somos vítimas de condutas abusivas, que nos oprimem, humilham e constrangem. Na gestão da pandemia, o atual governo nos nega direitos e cria embates com a ciência, colocando a vida dos brasileiros em risco. A narrativa visa ao engajamento subjetivo dos seus seguidores, e o negacionismo impõe danos à sociedade, especialmente aos cidadãos mais pobres. Estão sendo negados direitos fundamentais, o que pode resultar em prejuízos morais, físicos, psíquicos ou mesmo na morte da milhares de brasileiros.
Panorama Executivo – No Brasil, a pandemia segue recrudescendo. O sentimento de impotência diante de atitudes das autoridades públicas guardaria algum paralelo com a dinâmica do assédio moral?
Margarida Barreto – Sim, com certeza. Vivemos neste momento uma crise sanitária e econômica agravada pela pandemia do Novo Coronavírus. O governo federal não prioriza a prevenção, os cuidados e o tratamento adequado aos brasileiros, especialmente os mais pobres. Diariamente, testemunhamos atos que ferem os nossos direitos e menosprezam a democracia. A chegada da Covid-19 evidenciou uma realidade cruel, perversa e bárbara. Ela se materializa no precário apreço pelos mais necessitados; na falta de direitos à saúde, no crescente número de mortos. Sem uma política clara e sem a gestão da pandemia por parte do Ministério da Saúde, estamos à deriva. Corremos o risco de ficar a reboque do mundo em termos de vacinação e medidas de prevenção.
Panorama Executivo – Então, podemos dizer que, em certa medida, enfrentamos problemas semelhantes àqueles vividos pelos assediados? Como sobrepor esse problema?
Margarida Barreto – Estamos sendo governados pela incoerência e pela aberração; pela humilhação e dominação calculista. O mandatário do país adota como norte do seu governo a violência contida na necropolítica. Seus atos são a expressão da violência sistêmica que permeia a sociedade brasileira. Como chegamos a isso? Talvez precisemos pensar o Jair que existe em cada um de nós e, atuando em conjunto, extirpá-lo. Temos de reafirmar nosso apreço à democracia, ao espírito de solidariedade e respeito ao outro. Só assim expurgaremos a necropolítica que assedia moralmente nossa população.
* Margarida Barreto possui mestrado em Curso de Pós-graduação pela Pontifícia Universidade Católica/SP (2000) e doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Atualmente é professora no Curso de pós-graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e professora convidada para o curso Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho do IPC – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.Tem participação como coautora nos livros Assédio Moral – Gestão por Humilhação e Assédio Moral no Trabalho.
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