Especial

O que é assédio moral?

Poder destruidor: o sofrimento e a opressão causados pelo assédio moral

Por Thaís Aiello, 08/02/2021

A dor vai se instalando aos poucos. Por vezes, as situações são tão absurdas, que o assediado custa a compreender o que está acontecendo. Pensa que o problema está com ele. Talvez não seja mesmo bom o suficiente. Terá feito algo de errado, passível de punição?

As dúvidas se multiplicam; a autoestima vai sendo corroída. É o assédio moral em curso, com seu efeito devastador. Aqui, a especialista Margarida Barreto* explica o que é assédio moral, como ele se manifesta e quais as suas implicações.

assédio moral

Panorama Executivo – O que é assédio moral e como reconhecê-lo?

Margarida Barreto – O assédio moral no ambiente de trabalho tem a ver com dominação e sujeição, com a supremacia de alguns sobre outros. Trata-se de poder e violência em seu sentido mais amplo e eficaz, uma violência única, com múltiplas e variadas faces. O termo assédio moral tornou-se o zeigeist ou o ‘espírito dos tempos’ de nossos dias, em todo o país. No Brasil, estima-se que 45% dos trabalhadores já tenham sofrido assédio moral.

Panorama Executivo – E o que caracteriza esse tipo de violência?

Margarida Barreto – O assédio moral envolve a repetição de atos inapropriados, numa dinâmica que estabelece a situação de desrespeito ao outro. A alta hierarquia muitas vezes envereda para uma aprovação silenciosa, o que resulta na cumplicidade com esse tipo de gestão. Cria-se um ambiente de terror, com intimidações, rebaixamentos e comportamentos ofensivos que acabam por atingir todos os trabalhadores. O assédio moral é uma forma de gestão por humilhação, constrangimento e imposições. Os atos vexatórios são constantes e se repetem ao longo da jornada, atingindo a dignidade e bem-estar dos indivíduos.

Panorama Executivo – Em que bases esse tipo de comportamento arbitrário encontra espaço para emergir?

Margarida Barreto – A justificativa está na busca por maior produtividade, mas há aqui um grande equívoco. O resultado é diametralmente oposto, uma vez que esses comportamentos afetam negativamente o estado emocional das pessoas. O assédio moral coloca em risco não apenas a saúde física e mental do trabalhador, mas sobretudo sua integridade emocional. Ademais, as atitudes impróprias por parte de gestores e chefes têm raízes em uma multiplicidade de discriminações. A intolerância pode ocorrer devido a preconceitos baseados em sexo, religião, etnia, idade, opção política e outras tantas variáveis.

“Testemunhas silenciosas são os que se calam, por medo ou omissão”

Panorama Executivo – Relação abusiva e assédio moral podem ser considerados sinônimos?

Margarida Barreto – As condutas e os comportamentos se tangenciam, mas há diferenças de situação e contexto A relação abusiva ocorre em relacionamentos afetivos, onde há uma relação de dominação contraditória. O afeto é usado para submeter, inferiorizar e humilhar de forma desrespeitosa, ameaçadora e violenta. Na relação abusiva, a invisibilidade é muito comum para aqueles que estão fora da relação a dois. Já nos casos de assédio moral, raramente encontraremos uma violência silenciosa e invisível ao olhar do outro. Todos assistem, exceto quando o assédio laboral se dá a portas fechadas. A solidariedade com aquele que sofre quase inexiste, e isso acentua o sofrimento daquele que é humilhado.

Panorama Executivo – O que explica essa falta de empatia?

Margarida Barreto – Essas pessoas integram o grupo do que chamamos de testemunhas silenciosas. Por medo, nada falam ou fazem. Com frequência, evitam o contato com aquele que sofre a humilhação, por receio de serem os próximos da lista. Em alguns casos, até apoiam o assediador, imaginando que isso pode ser uma salvaguarda contra humilhações e a demissão. Ledo engano. É importante dizer que não se pode admitir o assédio laboral, sendo absolutamente inadmissível contemporizar com sua prática. A vida daquele que é assediado moralmente fica devastada, arrasada. A violência sofrida impõe um caráter doloroso à existência do indivíduo, que sente sua vida degradar-se. É, portanto, uma situação com a qual não se pode compactuar.

“Ser autoridade não pressupõe autoritarismos”

Panorama Executivo – Há sempre um vínculo de autoridade do assediador sobre o assediado?

Margarida Barreto – Em 90% dos casos, sim. Há uma relação hierárquica, de subordinação, e aquele que humilha tem objetivos muito claros: quer obediência e maior produtividade. Pressionar e desqualificar tudo que o outro faz torna-se a norma. Isolar, deixar de cumprimentar e não passar trabalho são algumas das estratégias de aviltamento ao outro. A humilhação inclui desconsiderar comentários do profissional e sempre demonstrar a ele que o poder de mando é do assediador. Metas crescentemente ascendentes e a pressão da alta gestão por resultados cada vez mais lucrativos servem de combustível nesse cenário. Pressionado, o chefe também pressiona a equipe, muitas vezes com ameaças e intimidações. E é nesse caldo que o assédio moral se torna, equivocadamente, uma “estratégia de gestão”, alimentando a prática autoritária e agressiva com todo o coletivo. Mesmo sabendo que as pessoas são de níveis hierárquicos assimétricos, isso não deveria implicar na representação de um ser autoritário, que dissemina o medo. Esse tipo de chefe não consegue e nem sabe ser um líder capaz de conduzir seu time de forma ética e humana. Ser autoridade não pressupõe autoritarismos.

Panorama Executivo – O preparo das lideranças é, portanto, fundamental?

 Margarida Barreto – Sim, lembrando queempresas são habitadas por seres humanos. Ser tratado como objeto ou coisa sem valor reflete o triunfo das paixões mesquinhas e medíocres existentes no ambiente corporativo. O desejo de prosperar e ascender economicamente, fortemente internalizado, se amplifica nestes tempos de individualismo e estimulo à lucratividade. As organizações influenciam as estruturas psicológicas dos indivíduos. Todos procuram dar o melhor de si no local de trabalho. No entanto, mesmo quando ultrapassam a meta imposta, muitas vezes são humilhados. Essa condição se torna insuportável, não somente pela pressão, mas sobretudo pelo esmagamento moral que advém do não reconhecimento.

Panorama Executivo – Diante do assédio moral, quais os principais sinais de uma situação doentia?

Margarida Barreto – O sinal mais doloroso do adoecer é o isolamento imposto, o silencio e o medo ante as intimidações. Sem contar as constantes interrogações que o indivíduo faz para si, querendo compreender os “porquês”. Nesse momento, surge o domínio dos pensamentos repetitivos. O assediado revê as cenas e acaba crendo que falhou no esforço que realizou para cumprir o exigido. Aos poucos, o medo de perder o emprego se transforma em angústia. O baixo estado de ânimo causa sofrimento persistente e contínuo, afetando o sono. Então, inesperadas dores de cabeça e tristeza profunda começam a minar o dia a dia. Instala-se o desespero.

“O sentimento de impotência conduz à depressão e à sensação de vazio”

Panorama Executivo – As reações seguem um padrão específico?

Margarida Barreto – Bem, alguns se sentem revoltados, enquanto outros apresentam reações variadas, como sintomas gastrointestinais, dores de cabeça, pensamentos repetitivos. Alguns chegam mesmo a ter ideações suicidas, em especial quando o processo de humilhações culmina em demissão. Já outros se tornam inseguros, esgotados emocionalmente. Nesse contexto, os transtornos mentais se instalam, determinando um sofrimento ético-político, imposto pelas condições sociolaborais.

Panorama Executivo – Então, no assédio moral os sofrimentos físicos e psíquicos. Quais os desdobramentos dessa situação?

Margarida Barreto – Desanimada, a pessoa vai perdendo a autoestima, sente-se ansiosa e estressada. Quer avançar no trabalho, mas não consegue. Os finais de semana passam a ser uma tortura diante da perspectiva de que, na segunda, o turbilhão recomeça novamente. Vem aí a vontade de não mais ir à empresa, para evitar o reencontro com o assediador. A dimensão da impotência, do “não vou conseguir”, conduz à depressão, que traz um vazio. Instala-se, assim, a ideia de vida sem sentido, com todas as consequências deletérias que esse estado de espírito pode suscitar.

Margarida Barreto_Assédio Moral0

Margarida Barreto possui mestrado em Curso de Pós-graduação pela Pontifícia Universidade Católica/SP (2000) e doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Atualmente é professora no Curso de pós-graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e professora convidada para o curso Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho do IPC – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.Tem participação como coautora nos livros Assédio Moral – Gestão por Humilhação e Assédio Moral no Trabalho.

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